sexta-feira, julho 30, 2010

Intolerância religiosa x Liberdade Religiosa/Crença: perdemos o rumo.





 (por Pai Etiene Sales - sacerdote umbandista)

Várias e várias vezes durante meus 43 anos, eu escutei que Deus é amor (independente da religião). Entendendo esse amor como o amor de um Pai que educa seus filhos (nós a Humanidade), mas sabe que um dia eles irão crescer e fazer as suas próprias escolhas, boas ou ruins. Porém, cabe a um Pai ensinar, educar, mostrar os vários caminhos, dar as condições necessárias aos filhos para que eles, um dia, possa caminhar por eles mesmos.

Acredito que isso é o dever de um Pai, é o compromisso de quem educa seus filhos para o bem, para as boas ações, para o entendimento entre os homens, independente de etnia, credo, cor, status social ou econômico, mas dentro de um fator de igualdade, pois somos todos iguais (embora uns pensem erradamente que são melhores que os outros), pois todos nós sofremos, choramos, sentimos dor, temos problemas, podemos estar um dia em cima, mas também podemos um dia estar embaixo, adoecemos, amamos, e, dentro do maior nivelador de nosso planeta, todos nós um dia (ricos ou pobres, independente da religião) morreremos.

As religiões, todas, em sua grande maioria, lidam com tudo o que falei acima, pois fazem parte de nossa caminhada, de qualquer existência humana. Algumas vezes no geral de nossos conflitos, outras em particularidade que irão variar de pessoa para pessoa. Mas todas abração esses problemas, dando a eles um significado, um porque e, às vezes, uma motivo.

Algumas crenças se tornaram fundamentalistas*, fanáticas e perseguidoras, pois criaram um motivador para as desgraças, para os reveses, e um solucionador, ou seja, o Demônio que causa os males e Deus que tudo pode, que é só amor.

Bom, são visões de cada crença que assim estabelece um algoz e um defensor, um bem e um mal. Só que nessa relação de bem e de mal, de bom e ruim, de algoz e defensor, algumas crenças aqui no Brasil, principalmente as Neo-Pentecostais e outras Igrejas do Gênero (entendendo que outras correntes Evangélicas, no seu geral, nos respeitam, e não se pode generalizar as agressões que recebemos) que chamamos de maus crentes, criaram nos cultos Afro-descendentes uma associação com o Demônio, nos demonizando em seus cultos, rádios, programas de TV e até em suas publicações, sendo tudo isso anunciado e fomentado por maus Pastores, que se utilizam do proselitismo religioso**, criando um "exército" para destruir e lutar contra nós, os endemoniados.

Diante de tudo isso, entendemos que é uma grande ignorância e incoerência, pois Jesus não fomentou discórdias, não perseguiu outras crenças (ou instigou seus discípulos a fazer isso), e trouxe a máxima do que é ser cristão:

"Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amo. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos. Vós sois meus amigos, se fazeis o que vos mando." Jo 15:9-17.

Jesus, ao máximo, proclamou o amor e não o ódio, a aproximação entre as pessoas e não a distância, o respeito e não o desrespeito, a igualdade entre as pessoas e não a discriminação. Abraçou mendigos, leprosos, prostitutas, adúlteros ... como iguais, porém, foi perseguido por suas ideias, por sua postura. Foi traído, negado, agredido, chicoteado e crucificado. Em muito por acreditar que o amor, o respeito, a igualdade (alteridade) entre os homens era possível. Jesus teve atitudes de respeito entre os homens e, em seus ensinamentos, nunca houve espaço para a Intolerância, para o desrespeito com o outro, mesmo que de outras crenças.

Se Jesus pregou o amor, o respeito, o se dar ao outro, porque então essas correntes de "maus crentes" e seus "maus Pastores" nos perseguem, enganando seus próprios crentes em instigar e fomentar a intolerância religiosa, o combate a outras crenças, principalmente ao povo de Umbanda e Candomblé? Isso é algo para pensar.

A Umbanda (nas suas vertentes) e o Candomblé (em suas vertentes) não são conjuntos religiosos do Demônio. Não fomentamos o mal, a discórdia, a guerra, o ódio. Nossos cultos são apenas diferentes dos cultos Cristãos (que também são variados, pois existem dezenas e dezenas de religiões Cristãs, e todas diferem em forma, ritos, visões, cultos, liturgias) e porque temos cultos diferentes, isso não quer dizer que somos Demônios ou merecemos agressões ou insultos.

Aqueles "maus crentes" que nos agridem, por ignorância, sem enxergar os reais ensinamentos de Jesus, estão repetindo exatamente o que fizeram com ele: a intolerância, a calúnia, a perseguição, a agressão, a tortura e a morte.

É certo e verdadeiro que existem más e boas pessoas, mas também existem as más e boas crenças, os bons e maus seguidores e os bons e maus líderes. Tanto na Umbanda, como no Candomblé também existem maus adeptos, como também existem maus líderes. Não somos melhores ou piores do que ninguém, mas, do mesmo modo que não podemos generalizar que só existem "maus crentes", pois existem os "bons crentes", não podemos ser vistos somente por aqueles de nós que agem erradamente. Da mesma maneira que não se pode generalizar os Católicos, por que alguns padres erraram e se entregaram á pedofilia; como não podemos generalizar o Islã, por que alguns se dão a ser "homens bombas"; como não podemos generalizar os Evangélicos pela intolerância religiosa ou por contrabando de dinheiro, só porque alguns pastores já foram presos por contrabandear dinheiro em bíblia ou fomentam a agressão a outras crenças. A final, todas as religiões têm bons e maus seguidores e não se pode generalizá-las pelo lado negativo.

Uma outra coisa que é certa e verdadeira é que ninguém nasce intolerante e preconceituoso. Isso é ensinado, estimulado, passado um para o outro. Se um religioso (independente da religião) é educado em cada encontro, em cada reunião, em cada manifestação de sua fé, a ver o outro como algo ruim, como o demônio, o capeta, o mal, ele começará a criar essa ideia. Se ele for convencido que o outro, a outra religião e seus membros são responsáveis pelos seus problemas, ai mesmo que a intolerância se instala, pois a pessoa é submetida a isso constantemente, diariamente, e acaba se tornando um intolerante, que, mais cedo ou mais tarde, a despeito do amor ao próximo (talvez até seja dito a ele que o próximo e o amor, é dado e compartilhado somente com os seus, da mesma fé), irá cometer um crime, uma agressão a uma pessoa de outra religião. Simplesmente por ela ser de outra religião, independente de ser homem, mulher, idoso ou criança.

Para o Brasil realmente consolidar um sistema Democrático e de igual direito para todos, em que todos são vistos e respeitados como iguais, independente da diversidade e da pluralidade que é o povo brasileiro, não podemos mais aceitar ou sermos coniventes com a intolerância religiosa, pois pessoas irão se machucar, e até morrer, em virtude do proselitismo religioso, da intolerância, da demonização e da ignorância religiosa.

Cabe ao Estado entender o problema e combatê-lo, cabe a sociedade como um todo também combatê-lo a CCIR - Comissão de Combate à Intolerância Religiosa trabalho incessantemente nesse sentido, mas cabe, principalmente, aos religiosos combatê-lo em seus templos, educando seus fiéis para o respeito ao próximo . Cabe aos sacerdotes entender que, se um de seus fiéis agredir uma pessoa de outra religião, só porque ela é de outra religião, que ele também é responsável pela agressão, pois não educou o seu fiel nas bases do respeito e do amor ao próximo.

A história humana mostra o que aconteceu ao longo do tempo em face à intolerância religiosa (uma visão resumida):

- perseguição dos Judeus pelos Romanos;
- perseguição dos Cristãos pelos Romanos;
- perseguição dos Pagões e Hereges pela Igreja Romana;
- Inquisição da Igreja Romana;
- Inquisição das Igrejas Protestantes;
- perseguição dos Católicos pelos Protestantes;
- perseguição dos Protestantes pelos Católicos ...

A humanidade cresceu tanto em ciência e tecnologia, mas ainda é primária e precária em HUMANIDADE.

Estamos repetindo os mesmos erros do passado, e talvez Jesus (onde estiver) continue dizendo: "“Pai, perdoa-lhes: porque não sabem o que fazem” (Lu 23:34)".

Já está na hora de começarmos a entender a responsabilidade que temos uns com os outros.

AXÉ, AMÉM , SARAVÁ, MUTUMBA, KALOFÉ, MALEC SALAM, NAMASTÉ, SHALOM ...
PAZ PARA TODOS, AMOR ENTRE TODAS AS CRENÇAS!!!

Pai Etiene Sales é sacerdote umbandista da Tradição de Umbanda de Pretos-velhos,fundamentada no culto Omolokô.
Escritor e cientista da religião (pós-graduado em Ciências da Religião).

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